Merenda some, dinheiro não: quem está comendo a educação de Indaial?
- Túlio De Amorim Pfuetzenreiter
- 14 de jun.
- 8 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.

Indaial, uma das cidades mais prósperas do Vale do Itajaí e detentora da 22ª maior economia de Santa Catarina, vive uma crise silenciosa — mas visível — em sua rede pública de educação. O que deveria ser um pilar do desenvolvimento local se transformou em um cenário de caos: falta de professores, incêndios em escolas, merenda de má qualidade, perseguição a profissionais e contratos suspeitos.
No centro dessa tempestade está o secretário de Educação, Manoel Felipe Boaventura, que assumiu o cargo em janeiro deste ano. Logo de início, ele herdou uma secretaria em péssimas condições, mas, em vez de solucionar, os problemas se aprofundaram, culminando na abertura de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) na Câmara de Vereadores para apurar possíveis irregularidades.

Cenário:
O problema começa onde não deveria: na sala de aula. Mesmo com sucessivas chamadas públicas abertas pela Prefeitura, diversas escolas seguem meses sem professores para disciplinas fundamentais, como Inglês, por exemplo, deixando diversos alunos sem acesso a conteúdo básico.
O desinteresse em assumir as vagas, segundo relatos de profissionais, se deve às condições precárias de trabalho, somadas a um clima de perseguição dentro da própria secretaria, denúncias de falta de apoio e infraestrutura deficiente.

Qualidade do ensino:
Os números não deixam espaço para discurso. De acordo com o relatório mais recente da AMVE (Associação dos Municípios do Vale Europeu), Indaial possui o pior índice de alfabetização entre todos os municípios da região, sendo uma das poucas cidades abaixo da meta estabelecida pelo Ministério da Educação.
No ranking estadual de qualidade da educação, Indaial também é destaque de péssimo desempenho: 220ª colocação em Santa Catarina. Para efeito de comparação, o município ocupa a 22ª posição no ranking do PIB catarinense, segundo dados do IBGE de 2021.
Uma grande discrepância entre o tamanho da economia e a qualidade da gestão pública, que chega a ser escandalosa.
Problemas estruturais:
Nos últimos anos, diversas unidades de ensino foram atingidas por incêndios. Algumas delas são:
U.E.I. do Bairro Tapajós
U.E.I. do Bairro Carijós
Escola Básica Municipal Tancredo de Almeida Neves
U.E.I. Bairro João Paulo II
E mais recentemente, a U.E.I. do Bairro Warnow, onde três pessoas precisaram ser levadas ao Hospital Beatriz Ramos com sintomas de intoxicação.
Além dos incêndios, são constantes os relatos de chuvas dentro de salas de aula, instalações elétricas comprometidas, falta de materiais didáticos e superlotação de alunos em salas de aula.

Versão melhorada. Ou menos pior.
Licitação emergencial em cima de licitação emergencial:
Após o incêndio na U.E.I. Warnow, o município, que já tinha um contrato emergencial vigente com a empresa Sigma, optou por abrir uma nova contratação emergencial, dessa vez com a empresa FCF, para realizar o laudo técnico que liberaria a unidade para funcionar novamente.
O que causou espanto foi que o laudo emitido não possuía certificado técnico, o que, tecnicamente, compromete sua validade e coloca em risco a segurança de alunos, professores e funcionários da unidade.
Merenda escolar:
A crise acendeu ainda mais quando veio à tona com denúncias relacionadas à merenda escolar. A empresa Aromas, vencedora da licitação, havia sido contratada para fornecer às escolas um cardápio desenvolvido por nutricionistas, balanceado e variado.
No entanto, surgiram denúncias — puxadas inicialmente pelo vereador Dudu Cunha — de que o cardápio contratado não estava sendo entregue. Houve casos em que as crianças receberam apenas pão e chá. enquanto os cofres públicos bancavam uma alimentação completa que jamais chegou às mesas dos alunos.
Convocado a prestar esclarecimentos na Câmara, o secretário Manoel defendeu-se:
“Em momento algum um aluno recebeu alimento estragado, de origem duvidosa, ou deixou de receber alimentação, como foi indevidamente alegado por um vereador dessa casa. Essas alegações são infundadas e não refletem a realidade. A qualidade da alimentação escolar é um direito fundamental e garantimos com seriedade e compromisso. Estamos sim cobrando o cumprimento integral desse contrato, conforme o cardápio estabelecido pelas nossas nutricionistas e as normas de segurança alimentar e nutricional.”
Durante essa sessão, os vereadores Diogo Pinho, Carlos Peixer e Flávio Molinari saíram em defesa do secretário, acusando indiretamente o vereador Dudu Cunha de estar espalhando mentiras nas redes sociais. O vereador Carlos Peixer foi além, afirmando que estava fiscalizando a alimentação servida nas escolas e que, segundo ele, era de alta qualidade.
Poucas semanas depois, contrariando o discurso da tribuna, a Prefeitura rompeu o contrato com a Aromas e firmou um novo contrato emergencial, com a empresa Miservi.
Essa contratação rapidamente levantou suspeitas. A contratação soa, no mínimo, como uma zombaria. O município rompe um contrato alegando descumprimento e, antes mesmo de oficializar o rompimento, a nova empresa já contratava merendeiras — como se soubesse, de antemão, que seria a escolhida. A suspeita de direcionamento não é só plausível: é ensurdecedora. A Aromas, revoltada, foi à imprensa, onde seu diretor relatou que:
A Prefeitura atrasava pagamentos sistematicamente, além dos 90 dias previstos em contrato.
As dívidas chegaram a ultrapassar R$ 2 milhões.
As alterações no cardápio foram feitas com total ciência e autorização da Secretaria de Educação.
Na entrevista, o diretor da Aromas ainda disse:
“Iniciando 2025 com a Prefeitura nos devendo aproximadamente 2 milhões e 100 mil reais.”
“Chegou a ter épocas com mais de 120 dias de atrasos de pagamentos.”
“Todas as trocas de cardápio que aconteceram desde março, se não me engano, a Secretaria da Educação estava ciente. Tivemos reunião com o secretário, com as nutricionistas, temos trocas de e-mails que comprovam.”
Já o secretário conta uma versão diferente à respeito dos atrasos nos pagamentos, Manoel disse em entrevista:
“Em relação aos pagamentos, eu fico muito tranquilo, porque a gente tem feito os pagamentos dentro do que o contrato exige e, obviamente, né, quando a qualidade da alimentação começou a cair, eu comecei a segurar os pagamentos.”
Os argumentos e relatos se contradizem. No entanto, após consultar o Portal da Transparência do município de Indaial, foi possível concluir que a versão do diretor da Aromas é a verdadeira, pois de fato os atrasos já ocorriam desde Outubro de 2024, muito antes de surgirem as primeiras denúncias.
Sendo assim, o poder executivo sabia que as denúncias a respeito da merenda eram todas verídicas.
Mandado de segurança:
O estopim da crise veio à tona quando a Aromas entra com um mandado de segurança para continuar prestando o serviço à Prefeitura e receber seus pagamentos, e nele surgem denúncias ainda mais graves: dias antes do rompimento oficial do contrato com a Aromas, a Miservi já estava publicando anúncios para contratar merendeiras em Indaial. O documento não deixa espaço para dúvidas. É uma prova material, concreta, de que o contrato emergencial não teve nada de emergente. Foi, na prática, uma contratação previamente arquitetada.
No entanto, mesmo com as provas apresentadas, Manoel insiste em manter sua narrativa, e em entrevista disse o seguinte:
“Assim que a gente tomou a decisão de romper o contrato e fazer essa contratação emergencial, de pronto, eu já montei lá na Secretaria uma comissão pra produzir a nova licitação.”
Como se não bastasse, segundo o documento, a Miservi foi condenada pela Justiça por falsificação de documento em uma licitação pública, em 2022.
Além disso, o contrato emergencial foi firmado sem a assinatura do ordenador de despesas da Prefeitura, o que levanta ainda mais suspeitas sobre sua legalidade. Será que o ordenador se recusou a assinar para não se comprometer, ou sequer foi informado?
Em entrevista, o representante da Aromas questionou:
“Eles não tinham condições de pagar em dia a alimentação escolar com a nossa empresa... e agora assinaram um contrato três milhões mais caro que o nosso.”

Perseguir virou método:
São comuns os relatos de perseguição por parte de diversos professores e profissionais de outros serviços públicos municipais de Indaial. E, no meio desse turbilhão, surge o caso mais emblemático, envolvendo uma professora da U.E.I. Warnow, que, semanas após o incêndio na unidade, foi transferida arbitrariamente para uma escola no bairro Arapongas, a 9 quilômetros de distância.
Pais e colegas afirmaram que a professora vinha cobrando melhorias nas condições da escola, segurança elétrica e qualidade da merenda e, logo após, foi removida de sua unidade, por ordem direta do secretário Manoel, sem qualquer justificativa formal.
Nota: Neste momento, o município registra um recorde de profissionais afastados por atestado médico, em razão de problemas relacionados à saúde mental.Sob pressão, a Secretaria alegou que recebeu duas queixas anônimas de que a professora tumultuava o ambiente de trabalho, o que, para a comunidade escolar, foi claramente uma retaliação.
A resposta da comunidade foi imediata: manifestações na escola, abaixo-assinados, protestos na Câmara e mobilização nas redes sociais.

“Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito.”
— Georg Christoph Lichtenberg.O vereador Lucio Vanderlinde, que integra a Comissão de Educação da Câmara, foi enfático:
“Qual a ferramenta para demonstrar isso na prática, de forma administrativa, se estiver errado? Processo Administrativo Disciplinar.”
O que diz o secretário:
O secretário Manoel afirma que a Prefeitura tem realizado investimentos constantes na melhoria da rede de ensino. Entre as ações citadas estão a reforma e ampliação da Escola do Encano Central, o cercamento e construção de muros na Escola Juvenal Carvalho e a implantação de sete salas modulares para atender a demanda crescente.
Também informa que há um planejamento para que, até o início do ano letivo de 2026, todas as escolas básicas do município passem a oferecer ensino integral na 1ª série, com a expansão progressiva para as séries seguintes nos anos posteriores. Além disso, há a meta de zerar a fila de espera nas unidades de ensino infantil até o final de 2025.
Em relação aos atrasos na entrega dos materiais didáticos, a justificativa apresentada pelo secretário é que os problemas são decorrentes de entraves e atrasos nos processos licitatórios.
Sobre a crise na merenda, o secretário afirma que foram emitidas quatorze notificações à empresa Aromas ao longo de 2025, todas relacionadas à qualidade do serviço prestado.
O secretário também atribui as denúncias feitas por vereadores a motivações políticas, classificando-as como fruto de ressentimentos decorrentes do resultado das eleições de 2024.

CPI na Câmara:
Diante do escândalo, cinco vereadores — Lucio Vanderlinde, Elton Marcos Possamai, Henrique Fritz, Elaine Pickler e Dudu Cunha — formalizaram a abertura de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI), que é equivalente a uma CPI, para investigar a crise na alimentação escolar.
Os principais pontos da investigação:
Gestão contratual e questionamentos sobre a renovação: Mesmo com problemas anteriores, o contrato com a Aromas foi renovado no final de 2024.
Pendências financeiras: A empresa Aromas afirma que atualmente a Prefeitura deve R$ 1 milhão em notas já emitidas e R$ 1,8 milhão em faturamento pendente.
Contratação emergencial da Miservi: A comissão agora busca respostas para perguntas que, para qualquer cidadão minimamente atento, já soam retóricas: houve fraude? Houve direcionamento? Houve quebra dos princípios que regem a administração pública? A sucessão de fatos, documentos e coincidências flerta com o óbvio.
A CEI começa a solicitar documentos, ouvir testemunhas e convocar responsáveis da Prefeitura, da Secretaria de Educação, das empresas envolvidas e de órgãos de controle.
Se confirmadas as suspeitas, os desdobramentos podem ir de sanções administrativas, civis e criminais dos envolvidos.
Enquanto políticos e secretários se defendem e contratos suspeitos se multiplicam, quem paga essa conta são as crianças. Estudantes que, ao invés de cadernos e merenda de qualidade, encontram salas com goteiras, comida precária e um futuro cada vez mais comprometido pela incompetência, pelo descaso e — quem sabe — pela má fé de quem deveria cuidar da educação.
E agora, evidentemente, você está se perguntando; por que a imprensa especializada local não está tocando neste assunto? Abra o site do Portal da Transparência, consulte a aba pagamentos e veja com seus próprios olhos.









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